- Giovanni Alves
- 23 de mai. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 28 de jul. de 2023
O videodocumentário “Paquetá, o bancário” foi lançado em 2013, embora o registro audiovisual do depoimento do bancário carioca José Proença Duarte tenha ocorrido há quase sete anos – em 24 de agosto de 2006. Naquela época, "Paquetá", funcionário do Banco do Brasil, era diretor do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro.
Filho de imigrantes portugueses estabelecidos na ilha de Paquetá no Estado do Rio de Janeiro, José Proença Duarte nos deu um relato fascinante de história de vida/história do trabalho expondo as transformações do trabalho bancário no Banco do Brasil desde fins da década de 1970 até a década de 2000.
Diz o letreiro de abertura: “Este é o depoimento pessoal de José Proença Duarte, o Paquetá, que narra, com orgulho, sua trajetória de vida como bancário do Banco do Brasil. De 1980 a 2006, Paquetá presenciou transformações profundas na morfologia do trabalho bancário no Banco do Brasil, ocasionadas pela ofensiva neoliberal, novas tecnologias e novos métodos de gestão que alteraram significativamente o perfil do trabalhador bancário. A narrativa de vida e trabalho de Paquetá é um relato singelo e sincero da experiência vivida de precarização do trabalho bancário no Brasil dos últimos trinta anos.”
Paquetá concluiu o curso de história na Universidade Federal Fluminense em fins da década de 1970 ainda sob a abertura política da ditadura militar. Planejava ser professor de história, mas pressionado pelas circunstancias familiares, fez concurso para o Banco do Brasil e foi aprovado, indo morar e trabalhar em agosto de 1980 na cidade de Imperatriz, no Maranhão. Na época, Paquetá tinha 27 anos. Ele nos fala do tempo heróico de trabalhar de 12 a 14 horas por dia, “espoliação total”, como dizia ele. Mas como diz ele, “eu tinha que fazer o serviço”. Eram tempos "primitivos" do trabalho bancário, utilizando máquinas de somar eletro-eletrônica bastante rudimentares - caso sejam comparadas com as de hoje.
Pela cabeça ainda passava a idéia de voltar a ser professor. Em junho de 1982 retornou para o Rio de Janeiro trabalhando na Agencia Tijuca como caixa. Era a função mais adequada para Paquetá que tinha facilidade de relacionamento público. Era melhor ser caixa do que ficar na retaguarda fazendo o trabalho burocrático. Lembra que o maior drama para o caixa era quando dava uma diferença.
Na época, a mulher, psicóloga, passou num concurso para trabalhar em Manaus. Foi transferido para trabalhar na capital do Amazonas. Lá nasceu o único filho do casal. Depois, Paquetá voltou novamente para o Rio de Janeiro, indo trabalhar na Ilha do Governador, sempre atendendo o público, o que ele considerava o lado prazeroso do trabalho bancário. Novamente lembra das máquinas Sharp, o trabalho de fazer os lotes e repassar ara a retaguarda. Diz ele: “Trabalhava-se muito...”. Chegou a fazer 900 autenticações por dia.
Paquetá lembrou da abertura política e da luta sindical de final dos anos 1980. O slário era bom. As assembléias sindicais lotavam. Fernando Color de Mello foi eleito em 1989, diz ele, “com a finalidade de destruir” – destruir o movimento sindical e implantar as reformas neoliberais. O sindicalismo teve que aprender na marra. Diz ele: “O salário foi pro brejo”.
Paquetá trabalhava demais, chegava tarde, morto pelo trabalho – e ele lembra, a mulher imaginava que ele estava com outras mulheres. Tempos dificeis. Mas Paquetá recorda com amabilidade e senso de humor.
O Banco do Brasil, diz ele, passou a sofrer transformações: a Reestruturação Produtiva do capital. Ele lembra que na época, a esposa passou num concurso para a Receita Federal e foi transferida para a cidade de Pelotas no Rio Grande do Sul. Novamente, ele teve que acompanha-la. Lembrou ele: com FHC, “começou a pancada mesmo”.
Mudanças tecnológico-organizacionais, terceirização, Plano de Demissões Voluntárias – que nada tinham de voluntárias. Paquetá lembra da carga de ideologia imposta pelo Banco do Brasil: chegou a era do “salve-se quem puder”, pessoas muito mais competitivas, a sinergia da competição, a lógica neoliberal, o bancário como vendedor. Novas máquinas surgiram nos locais de trabalho: tudo informacionalizado, on-line, código de barras...
As inovações tecnológicas facilitaram o serviço do caixa em comparação, por exemplo, com o que ele fazia anteriormente. A chefia do banco dizia: “Já que não tem que fazer trabalho desgastante, vocês devem ser vendedores”. Cada bancário tinha que “bater Meta”. Pressão para vender OuroCap, BrasilPrev, a contagem de pontos para cada venda.
Paquetá disse que saiu do serviço de caixa e “foi-se esconder na Tesouraria. No meu isolamento, conseguia escapar...”. Nesse novo local de trabalho ele estava livre da loucura da competição da lógica neoliberal. Ficou 2 anos na tesouraria.
Na lógica da reestruturação produtiva do capital, “bom era o cara que conseguia vender”. Os gsetores incorporam a vontade do banqueiro. Relata o aumento de suicídio entre colegas. O 1º. PDV do Banco do Brasil foi em 1995. Ele ressaltou: a Demissão Voluntária “não era voluntária...”. O bancário era obrigado a pedir demissão. Diz Paquetá que a maioria que saiu, “se ferrou”. Ele recusou pedir demissão: “É um direito meu ter trabalho”. Lembrou ele: foram tempos de truculência, violência, crueldade, pancadaria, “pior que na época do Collor”. O sindicato estava só na defensiva. Era o fim do governo FHC.
Em 2002, ele disse que ouviu pela primeira vez a palavra “Assédio Moral”. Novo nome para uma velha prática do capital. “O perfil pra ser gestor era ser safado”, disse ele.
O trabalho bancário estava reduzido à tecnologia. O pessoal mais novo que entrava no banco tinha na cabeça a ideologia mais individualista. A terceirização se ampliava, quebrando a base bancária, com o surgimento do correspondente bancário – bancários que não eram reconhecidos como bancários, ficando de fora do contrato coletivo de trabalho.
Naquela época (2006), Paquetá observou que o trabalho bancário mudou muito. Caiu o número de sindicalizados – de 35.000 para 17.000, observou ele. Uma categoria que tinha 1 milhão de bancários na década de 1980 tinha (em 2006) menos de 400 mil.
Com bom humor, Paquetá conclui seu depoimento salientando que ele é um “dinossauro” face à nova era neoliberal.
Enfim, o relato de vida e trabalho de Paquetá é deveras rico na perspectiva histórico-temporal de como mudou o trabalho bancário no Banco do Brasil. O depoimento deixa transparecer a personalidade humana, generosa e bem-humorada,
Em 5 de novembro de 2015, o jornal do Sindicato dos Bancários da Bahia, ligado a CTB, tendencia política de Paquetá, informou:
“É com pesar que o Sindicato da Bahia comunica o falecimento do líder sindical José Duarte Proença, conhecido como Paquetá, vítima de um AVC, na madrugada desta quinta-feira (05/11). Bancário há mais de 30 anos no Banco do Brasil, também foi um dos fundadores da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) e atualmente era diretor do Sindicato do Rio de Janeiro Também foi um dos fundadores da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) e atualmente era diretor do Sindicato do Rio de Janeiro”.
Outros jornais de bancários pelo País comunicaram o falecimento do camarada que dedicou a vida – não apenas a trabalhar no banco – mas a organizar a luta dos bancários na perspectiva classista. Disse o jornal do Sindicato dos Bancários de Irecê e região, também na Bahia, uma grande base da CTB:
“Com imenso pesar, comunicamos o falecimento do líder sindical José Duarte Proença, conhecidos por todos como Paquetá (Ilha na Baia da Guanabara que escolheu para morar). Vítima de um AVC, na última segunda-feira (2), o sindicalista não resistiu e faleceu na madrugada desta quinta-feira (5/11). Funcionário do Banco do Brasil há mais de 30 anos e comunista por opção, Paquetá abraçou as causas populares desde a década de 70, tendo direcionado sua militância para a categoria bancária, onde atualmente era secretário-geral do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro. Foi um dos fundadores da CTB e um dos coordenadores na categoria. Presença constante na luta do funcionalismo do Banco do Brasil, Paquetá participou de todos os congressos do banco e da categoria. Teve grande destaque nas lutas dos anos 90 contra a política neoliberal de desmonte do BB. Com a mesma determinação representou o funcionalismo na Cassi, Caixa de Assistência do Banco do Brasil. O sindicalista se destacava por seu bom humor e amabilidade, mas sem deixar de ser um defensor intransigente de seus princípios”.
A CTB e os bancários perdem um grande amigo e camarada.

Link do trailer do documentário "Paquetá, o bancário".
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